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O que os olhos veem o coração sente

Celebração de abertura do 12º Intereclesial

Os encontros intereclesiais das CEBs têm se constituído, na Igreja Católica, no Brasil, num grande encontro “pentecostal”. Naquele momento, sentimos o pulsar do coração das comunidades deste imenso país e, no sangue que corre em suas veias, a sua vitalidade, (não apenas no Brasil), mas também nas “veias abertas da América Latina”, nossa Pátria Grande! É um encontro que requer de nós uma postura de “vigilância” constante (Mt 26,41): estamos ao redor de muitos detalhes, gestos, sinais que comunicam a grandeza desse momento. Isto requer também, um olhar “contemplativo” (Lc 6,28), para acolher toda a teologia expressa nos cantos, painéis, frases, fotografias, histórias de vida, de lutas e de martírio.
Geralmente, quando conversamos com os participantes, procurando saber do que vivenciaram, o que mais gostaram, entre muitos aspectos, dois são destacados: a acolhida nas casas das famílias e os momentos celebrativos.
Para a celebração de abertura, não levamos caderno para anotação, não recebemos roteiro, mas procuramos vivenciar aquele momento que perpassa todos os nossos sentidos, esta partilha é, na verdade, a “voz do coração”!
Fomos convocados a estarmos presentes na Praça, no centro da cidade, para a grande celebração de abertura, que reuniu os 3 mil participantes e todos aqueles/as que quisessem conosco rezar.

O ambiente

A celebração de abertura aconteceu junto à estação Madeira Mamoré. A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é uma ferrovia construída entre 1907 e 1912 para ligar Porto Velho a Guajará-Mirim, no atual estado de Rondônia, no Brasil. Ficou conhecida à época como a "Ferrovia do Diabo" devido às milhares de mortes de trabalhadores ocorridas durante a sua construção em decorrência das doenças tropicais. Este fato complementa a lenda de que sob cada um de seus dormentes existia um cadáver. Em 1966, depois de 54 anos de atividades, praticamente acumulando prejuízos, o Presidente da República, determina a erradicação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré que seria substituída por uma rodovia, atual  BR-364, ligando  Porto Velho à Guajará-Mirim. Em 1972, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi desativada até que, em 10 de julho de 1972, as máquinas apitaram pela última vez e, a partir daí, o abandono foi total até que em 1979, o acervo começou a ser vendido como sucata para uma siderúrgica de Mogi das Cruzes, em São Paulo.
A Ferrovia voltou a operar em 1981,  num trecho de apenas 7 quilômetros dos 366 km do percurso original, apenas para fins turísticos, sendo novamente paralisada por completo em 2000. Após cinco anos de paralisação, em 2 de novembro de 2005, uma composição de poucos trens, faria uma única viagem, transportando convidados para participar de uma missa de Finados no Cemitério da Candelária, em memória às centenas de operários de diversas nacionalidades que faleceram durante a construção da ferrovia e, a 10 de novembro de 2005, a ferrovia histórica foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Ao lado da Estação Madeira Mamoré, está o Rio Madeira que faz parte da bacia do rio Amazonas e banha os estados de Rondônia e do Amazonas. Tem extensão total de aproximadamente  1.450 km. O Rio Madeira nasce com o nome de rio Beni na Cordilheira dos Andes, Bolívia. Ele desce das cordilheiras em direção ao norte recebendo então o rio mamoré-guaporé e tornando-se o rio madeira, traçando a linha divisória entre Brasil e Bolívia. O rio Madeira recebe este nome, pois no período de chuvas, seu nível sobe ao ponto de inundar  as margens, trazendo troncos e restos de madeira das árvores.
Ao redor destes dois marcos, iniciamos nossa celebração. Fiquei bem em cima do trilho. Ao vê-los,  lembrei-me do CEBI e do método da leitura popular da Bíblia. Aprendemos que esta leitura tem “dois trilhos”: com um pé pisamos no trilho da vida e, com o outro, no trilho da Bíblia. Este era o ambiente, naquele momento: a vida dos povos amazônicos (e de todo Brasil), alimentada pela Palavra de Deus. Naquela praça sim-bólica, as CEBs do Brasil fizeram história, pois pisavam pela primeira vez, enquanto intereclesial, na região norte.
O espaço litúrgico
O espaço litúrgico estava preparado: “Mesa pronta, tolha limpa, flores, luzes e canções, nos olhares um sorriso, muita paz nos corações”. A mesa, a toalha colorida, o ambão, a tocha, frutos da terra, três painéis com desenhos vindos de todos os regionais do Brasil. Animadores com vestes ornadas de detalhes indígenas. Um grande corredor se fez ao redor da assembléia,  para facilitar  a passsagem das pessoas que, a partir daquele momento, comporiam o quadro dos “povos da amazônia”.
A equipe que animava a Celebração acolhe a todos e a todas: Comunidades eclesiais de base aqui presente: Venham tomar lugar à beira dos nossos rios. Venham navegar no aconchego dos nossos barcos. No balanço das nossas redes. O chão da Amazônia, o ventre da terra, abre o coração para acolher com muito carinho a todos vocês. Mulheres e homens que vieram para celebrar a festa mais linda, a festa da vida”.
No início da Celebração, foram convocados os povos que formam a Amazônia. Os grupos, depois de chamados e intercalados com cantos e símbolos, iam passando pelo meio da assembléia. Com estas palavras, foram convocados os povos indígenas: Acolhamos os povos indígenas. São 38 etnias presentes. Da terra sem males.”. Sessenta e sete povos indígenas de 38 nações diferentes. Eles chegaram com seus instrumentos musicais, cestos, colares, pinturas nos corpos. Mães indígenas carregando seus filhos. Um deles sobe e acende a pira, clareando mais o nosso espaço. Da chama da pira, todos foram acendendo as pequenas velas, distribuídas para toda assembléia e, uma explosão de luz, no meio da noite escura, ilumina ainda mais o nosso olhar. O comentário diz: Um clarão surge no meio da noite. É Páscoa de Deus que vem do céu e desce até a terra. É o amanhecer de um novo dia, proclamado pelas vozes esperançosas e sonhadoras das nossas crianças. Por isso, acendemos as nossas luzes”. As velas acesas e a aclamação feita pelo Bispo Moacir Grechi, completam aquele momento: “Que a luz bendita de Jesus Cristo, luz que brilha em todos os povos e em todas as culturas esteja com todos vocês”! E todos aclamaram: “Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”. Assim foram chegando os povos afro descendentes, trazendo seus atabaques; os ribeirinhos, surgem com uma enorme canoa nos ombros, dentro da qual havia uma criança a remar. Chegaram também os migrantes, rosto tão marcante na Amazônia. Eles traziam pequenas casas, cartazes, instrumentos de trabalho. Em seguida, os extrativistas, com candeeiros e os instrumentos de trabalho utilizados na floresta. Conduziram até o altar uma cruz rústica feita de troncos retirados da floresta... este é o rosto da Amazônia!
O encontro é das Comunidades Eclesiais de Base de todo Brasil e com a presença de muitos convidados. Chegou a hora de todos serem acolhidos. De forma poética cada grande região foi sendo chamada: “Da terra sem males. Com o cheiro, o perfume e as cores das flores da Amazônia, acolhemos vocês que vieram do NORDESTE do Brasil. Povos dos biomas caatinga e semiárido. Ceará: Regional Nordeste 1; Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas: Regional nordeste 2; Bahia, Sergipe: Nordeste 3; Piauí: Nordeste 4; Maranhão: Nordeste 5”.
Em seguida foi a acolhida região SUL: “Com o sabor, a beleza e o gosto das diversas frutas da nossa Amazônia: cupuaçu banana, açaí... Acolhemos vocês que vieram do sul. Povos dos biomas mata atlântica e pampa. São Paulo: Regional Sul 1; Paraná: Regional Sul 2; Santa Catarina: Regional Sul 4; Rio Grande do Sul: Regional Sul 3”.
Também com o mesmo carinho é acolhida a  região SUDESTE: “Com as árvores da Amazônia, frondosas, imensas, vivas e belas, a samaúna, a castanheira, a seringueira... Acolhemos vocês que vieram do Sudeste, onde estão os biomas mata atlântica e serrado. Rio de Janeiro: Regional Leste 1; Espírito Santo e Minas Gerais: Regional Leste 2”.
Em seguida a região CENTRO-OESTE: “com o azul, o céu amazônico, com o sol e a noite de luar, as estrelas e o cruzeiro do sul, acolhemos vocês que vieram do centro-oeste, povos dos biomas, pantanal, cerrado e Amazônia:  Mato Grosso do Sul: Regional Oeste 1; Mato Grosso: Regional Oeste 2. Goiás, Tocantins e Distrito Federal: centro-oeste.
E finalmente, a região que estava acolhendo o 12º Intereclesial: “Com as águas dos igarapés, dos lagos, das cachoeiras, dos rios Madeira, Negro e Solimões, acolhemos vocês que vieram do norte, onde vivem os povos do bioma Amazônia: Roraima e Amazonas, Regional Norte 1; Pará e Amapá: Norte 2; Acre, Rondônia e Sul do Amazonas, Regional Noroeste.
Mas, também estavam presentes pessoas vindas de outros países. Também estes foram acolhidos. “Com as serras amazônicas, florestas, planícies, cerras... acolhemos vocês que vieram de outros países: Argentina, Chile, México, Venezuela, Paraguai, Honduras, Haiti, República Dominicana, Bolívia, Peru, Guatemala, El Salvador, Equador, Estados Unidos, Itália, Espanha, Alemanha, Holanda, Áustria, África do Sul e Japão”.

A memória dos intereclesiais e o “apito” do trem!

Nos intereclesiais, costumamos fazer a memória dos encontros anteriores, desde o primeiro em 1975 em Vitória-ES. A criatividade de cada lugar que acolhe o encontro tem sido predominante. Na abertura do encontro, estávamos, na verdade, numa estação de trem (quase desativada). Junto ao local da celebração, estava uma locomotiva. Para o povo da cidade de Porto Velho,  o “apito” do trem tem um profundo significado. A grande região amazônica fazia-se presente nos mais variados rostos, juntando-se aos representantes de todas as regiões do Brasil. Todos prontos a embarcar no 12º vagão do trem das CEBs. Assim fomos convidados: Este é o nosso país. O chão das comunidades. Onde o trem das Cebs, desde 1975, vem caminhando com seu povo, nos vários cantos desse nosso Brasil:  Vitória, São Paulo, Canindé, Trindade, Baixada Fluminense, Santa Maria, São Luiz, Ilhéus, Ipatinga, e das terras de Minas, o trem das Cebs partiu para a terra da Amazônia. Nesta noite, aqui, na beira do Rio Madeira, na cidade de Porto Velho, chega o trem das Cebs, nos trilhos da estrada de ferro Madeira Mamoré. Num grande apito, apito de memória, de compromisso, de justiça, liberdade, paz e muita resistência”. Nesse momento o forte apito sai da estação madeira Mamoré. Todos aplaudem, levantam bandeiras – é o grande sinal de que “entrávamos” no 12º vagão do trem das CEBs. E diz o Bispo Moacir Grechi: “Unindo nossa voz ao grito da terra e das águas, no sopro do Espírito, declaramos aberto o décimo segundo Intereclesial. CEBs Ecologia e Missão. Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”.
Invocamos a Trindade Santa, para sermos guiados pela sua ternura: “Ó Deus, defensor da vida, Pai de todos os povos! Bendito sejas por esta santa assembleia, reunido em Teu Nome. Derrama sobre nós o Teu Espírito. Que Ele esteja bem presente em nossos debates, em nossa convivência durante estes dias. Que cheguemos ao final deste encontro com clareza sobre os rumos a seguir. Por Cristo Nosso Senhor. Amém!”.
Chegou a hora de acolher a Palavra de Deus. O canto nos envolve: “Tua palavra é luz no meu caminho” ... Jovens entram em procissão por meio da assembleia, entre tochas e incenso a perfumar o ambiente. Um jovem proclama a Palavra: Apocalipse 22, 23-45. Dom Moacir atualiza a Palavra de Deus e diz: “Meus irmãos, minhas irmãs! É difícil dizer algo novo depois de tanta beleza, depois de tanta demonstração de vida feita por todos que aqui se aproximaram. No livro do êxodo, nós escutamos ou lemos, no capítulo terceiro, quando o povo judeu era massacrado pelo povo egípcio, Deus diz: “Eu ouvi o grito de meu povo”. E a resposta foi escolher Moisés como libertador. O grito que sai, que nasce, do seio da Amazônia está sendo ouvido. O décimo segundo intereclesial é uma resposta de Deus, por nosso intermédio, por intermédio das comunidades eclesiais de base. Vocês não podem imaginar a minha alegria, a minha comoção em saber que aqui temos homens e mulheres de todas as dioceses do Brasil, sem exceção. A sementinha plantada há alguns anos atrás, ela cresceu, com muito sofrimento, com muita suspeita, com muitas barreiras, mas era obra de Deus. Obra de Deus levada à frente pelos pequeninos. Tem um provérbio africano que eu escrevi para não esquecer. Eu não costumo falar lendo texto, mas eu achei tão bonita, achei um retrato das nossas comunidades, que eu quero repetir. “Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, conseguem mudanças extraordinárias” ...
Nisso, toda a assembleia presente começa a repetir o provérbio.  Isso emociona Dom Moacir que diz: “Meus irmãos, eu não pensava que vocês repetissem. Que coisa bonita! Este provérbio africano ficou muito gravado no coração das pessoas. Nos demais momentos do encontro, vai sempre ser repetido.
Na partilha do texto do livro do Apocalipse, continuou Dom Moacir: “Mas vamos recordar um pouquinho, o maravilhoso texto que nos foi lido. Do livro do Apocalipse, que tanta gente ler quase com medo. É o mais belo livro da Escritura. É escrito para nós, para nossa esperança. O livro do Apocalipse não tem nada de fim de mundo. É a descrição da vida da Igreja, aquela que está no céu e nós que estamos na terra. A mesma Igreja. É a luta de Deus contra o mal que se manifesta de tantas maneiras. E o que é que nós escutamos? “Eu vi um rio de água viva que saía do lado do trono de Deus e do Cordeiro”. E naquele lugar, havia a árvore da vida. É uma evocação. Uma espécie de interpretação de Ezequiel. Ezequiel diz: “eu vi do lado do templo, um rio que foi crescendo em abundância de água a cada poucos metros, e tornou todo o deserto de Judá vivo, florescente, belo. Transformou até o mar morto num mar vivo. E nos escutamos há pouco: “eu vi que saia, agora, não do lado do templo, mas do coração do Pai e do coração do Filho, a água viva que se estendia para todos. É para nós, meus irmãos, que o livro do Apocalipse fala.
O lema deste intereclesial tratava da necessidade de ouvir o grito que vem da Amazônia, e assim diz Dom Moacir:  Para que nós tenhamos a coragem sempre, sem ódio, sem violência, mas também sem medo, escutar os gritos da Amazônia, escutar os gritos do Brasil inteiro. E nós, gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não-importantes, conseguiremos mudanças extraordinárias. Desde que bebamos dessa água, nos alimentemos com os frutos desta árvore. Esta água representa o Divino Espírito Santo. É o próprio São João quem diz: “o que é que aconteceu quando o Espírito Santo, como fogo e como água, desceu sobre os apóstolos? Surgiram as comunidades”. Meus irmãos, todos nós acreditamos em Cristo, Deus que morre por nós. Um amor infinito, que ressuscita, vence a morte e vencerá todos os obstáculos. Esse Deus tem a sua palavra.
As comunidades de todo Brasil, vieram para conhecer melhor a Amazônia e, atentas, acolhiam a palavra do Pastor: “E as comunidades que nascem da água viva, são comunidades que amam o Evangelho, tomam o Evangelho a sério. São comunidades que praticam o amor e a solidariedade. Sem excluir ninguém. Pelo contrário, preferindo os mais pequeninos. São comunidades que se alimentam da água viva da Palavra, da Eucaristia, da oração, da convivência na comunidade. São comunidades que rezam, porque sem oração não se consegue manter o amor. Meus irmãos, vocês, que vieram de tão longe, agora conhecem um pouco melhor a nossa realidade amazônica. Ela é sempre, sempre tratada como colônia. E, como vocês, com trabalho de gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não-importantes, vocês dirão a todos: “A Amazônia quer ser Irmã. Ela oferece a riqueza que tem, mas precisa ser tratada com dignidade. Que os índios tenham a sua liberdade. Que os seringueiros tenham condições de trabalhar. Que os colonos não vivam na insegurança constante de leis, multas e mudanças.  E que nossas cidades se humanizem. Que todas as periferias possam ter realmente água tratada; que possam ter esgotos; possam ter um mínimo de condições para um filho de Deus. Então, que a água viva toque a todos nós e repitamos juntos: “Nós queremos ser gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não-importantes, conseguiremos grandes mudanças, mudanças extraordinárias”. E o grito da Amazônia repercutirá no Brasil inteiro, como grito de Esperança. A nossa nação, o Brasil, está mudando. Está considerando o outro igual a si e quer a igualdade, o bem estar para todos.”
Ministras e Ministros, aproximaram-se com cabaças cheias de água. A água foi abençoada e a assembléia aspergida. E assim rezamos: “No princípio, no início de tudo, quando nada ainda existia, teu Espírito, Senhor, pairava sobre as águas, fecundando o útero materno do Cosmos. Bendito sejas pela água dos nossos rios, de nossos lagos e igarapés, ... água para beber, para banhar e para molhar a plantação. Bendito sejas pelas águas do mar vermelho, nas quais o povo de Israel passou em seu êxodo para a liberdade. Bendito sejas pelas águas do Rio Jordão, que exultaram de alegria, ao receberem a bênção santificadora de seu filho. O sol da justiça se banhou no rio. O fogo mergulhou nas águas e foi manifestada, a todo gênero humano, a salvação de Deus. Que o Espírito de Deus que pairava sobre as águas primitivas e que se manifestou no batismo de Jesus desça agora sobre esta assembleia que vai ser banhada nesta água e nos faça passar da escravidão à liberdade e à esperança de um outro mundo possível e certamente melhor. Amém”.
Rezamos o salmo 104, expressando a nossa reverência ao Deus criador, na esperança de vida para o nosso planeta e rezamos o Pai-Nosso.
Eis que, do meio da multidão, vai chegando, ao som do canto das ofertas, um enorme grupo com cestos repletos de castanhas cobertas de chocolate. Todas embrulhadas em papel, preparadas num grande mutirão. Pensar numa quantidade tão grande de castanhas com cobertura de chocolate, feitas manualmente, dá à perceber o quanto de carinho, de dedicação e ternura há neste gesto. E, no gingado da canção, os alimentos foram abençoados numa oração de repetição.

“Vai também ao nosso lado nesta longa travessia,
a companheira de luta, a Santa Virgem Maria”

Dom Moacir lembra a presença feminina na caminhada das CEBs, ao convocar toda assembleia a homenagear Maria de Nazaré e convidou-nos a rezar a Ave-Maria.
Em meio a cantos, poesias, gestos e símbolos, concluímos a celebração, rezando: “Fonte de toda sabedoria, derrame sobre nós seu Espírito, inspire nossas palavras e guie nossas ações para que, nesse encontro, tudo se realize em teu Nome, pelo teu Reino agora e sempre. Amém!”
E, partilhando a castanha com chocolate, com todos aqueles e aquelas que sonham com a mesa da partilha, saboreamos os frutos e a doçura dessa terra!
Entre abraços de boas vindas, desejamos, a quem estava ao nosso lado, um bom encontro  e começamos a vivenciar cada momento, deste tempo vivido entre o cronos e o kairós.

O Brasil dos candeeiros e fifós!

Atualmente,  83% da população brasileira mora nos centros urbanos. Nós nos acostumamos com as luzes da cidade: iluminação pública, letreiros, pisca-piscas, iluminação dos carros e quase não nos damos conta de que existem  brasileiros/as que ainda são guiados pela claridade da lua e das estrelas, das chamas das velas, dos candeeiros e fifós. Foi muito significativo, enquanto elemento sim-bólico, a quantidade de candeeiros trazidos por diversos grupos (e até na celebraçao final). Nos fez ver um outro Brasil, repleto de pessoas que caminham nas trilhas, picadas e estradas iluminados por estas chamas. Mas, sobretudo, guiados pela chama da Esperança!

CEBs:lugar da teo-cardia! “Não ardia o nosso coração...?” (Lc 24,32)

Quando a Bíblia fala do "coração", trata-se de uma metáfora, pois ver no coração um órgão vital do ser humano. Assim como no sangue está a vida, no coração está a fonte da vida. A metáfora baseia-se no fato de que o coração é um órgão vital que está dentro do corpo, no seu interior, ocupando o centro do peito, mas que, ao mesmo tempo, manifesta-se para fora, pelo seu  batimento. Para os Evangelhos, o coração aparece como o centro da pessoa, intocado por tudo o que é meramente exterior e, ao mesmo tempo, fonte de tudo o que o ser humano exterioriza.
As CEBs do Brasil, reunidas no 12º Intereclesial, vieram mostrar que carregam dentro de si a capacidade da luta e da ternura. Os gritos proféticos que ecoam em nosso país, só conseguiremos ouvi-los, quando eles passarem pelo coração. Na prática libertadora do Nazareno, isso fica bem expresso na história de cego Bartimeu (Mc 10, 46-52). Seguindo Jesus, a multidão é convidada a assumir uma postura diferente. No primeiro momento, a atitude de todos os seguidores e seguidoras era a de repreender e exigir silêncio ao cego mendigo que gritava pela compaixão de Jesus. Acompanhando Jesus pelas estradas da Palestina, seus seguidores e seguidoras aprenderam uma nova maneira de tratar aquele que “gritava”, pedindo compaixão. A multidão viu em Bartimeu apenas um mendigo a mais que incomodava com seus gritos. Bartimeu era um cego à beira do caminho que sabia enxergar com o coração, enquanto que aqueles que tentam abafá-lo não percebiam que Jesus trazia a todos uma nova visão. Ao saber que era Jesus de Nazaré que passava pelo caminho, Bartimeu começou a gritar (Mc 10,47-48). O grito e as aspirações do pobre sempre incomodaram e por isso a multidão o repreende exigindo que se cale. Mas, Bartimeu é teimoso e continua a gritar porque sabe que Deus escuta o clamor dos pobres (Ex 2,24; 3,7-8; 6,5). Seus gritos eram mais que um pedido de ajuda e compaixão. Bartimeu grita para superar o barulho da multidão e pedir a Jesus uma nova vida. Os gritos e as aspirações insistentes de Bartimeu se repetem ainda hoje, no clamor de muita gente. Seus gritos eram também expressão da sua fé e até mesmo uma oração que chegou aos ouvidos de Jesus (Mc 10,49).
Olhando o quadro da Amazônia e outras situações do nosso país, o ser humano parece ter perdido o coração. E todos nós, na medida em que participamos da cultura moderna, estamos ameaçados de perder também o contato com o nosso centro interior. Estamos ameaçados de morte naquilo que constitui o que é próprio do ser humano. O risco de dar morte ao coração manifesta-se em três grandes desequilíbrios:
O desequilíbrio ecológico: cada vez mais evidente entre nós.
O desequilíbrio psíquico: através do "stress", mas também da falta de sentido da vida e da carência de vivenciá-la com sentimentos saudáveis.
O desequilíbrio social: a distância imensa entre pobres e ricos, seja dentro do nosso país, seja no cenário mundial.
Ao olhar com mais profundidade os Evangelhos, descobrimos as importantes dimensões do coração de Jesus: o Pai e o Reino.
Jesus vive primeiramente para seu Pai. Conhece-O, ama-O, confia n’Ele. Seu coração deseja, antes de tudo, fazer a vontade do Pai: nenhum sofrimento, nenhum obstáculo, nada nem ninguém poderá impedi-lo de realizar o que o Pai deseja.
A segunda dimensão é o Reino. Por isso, Jesus assume a missão de ser instrumento nas mãos do Pai na realização do Reino: curou os enfermos, perdoou aos pecadores, disse quem iria ter parte no seu Reino.
As CEBs têm sido constituída, ao longo destas décadas, por seguidores/as de Jesus que aprenderam a juntar fé/vida, numa teologia encarnada. Procurando ser sensível à dor humana que nos vem dos pobres, enfermos, encarcerados, marginalizados, desprezados e perseguidos, etc. Nas CEBs, aprendemos a acolher a todos, servindo-os incansavelmente.  Isto torna possível a com-paixão, a solidariedade, a força espiritual que nos abre ao sofrimento alheio.
Como seguidores/as de Jesus de Nazaré, queremos, na sua escola, “tocar os corações”. Partirmos para a missão, com o coração aquecido, com ou ouvidos abertos ao grito (clamor) dos pobres. Que nossa boca fale, aquilo de que o coração está cheio.
Seguimos firmes, pois cremos que as CEBs continuam “escritas no coração de Deus” na certeza de que “jamais serão apagados” (Ap 3,5)
Assim, vivenciamos cada momento deste encontro. Ouvimos atentos os gritos da grande Amazônia e das “pequenas amazônias” de onde viemos. A cada dia, fomos mergulhando nos momentos celebrativos. Os povos indígenas nos ajudaram a rezar. Num grande círculo, com seus instrumentos e cantos, oferecemos a Deus nosso dia de trabalho. A região norte,  motivou a celebração de envio à missão. Na sexta-feira,  a oração foi assumida pelos regionais, distribuída nos 12 rios espalhados pela cidade. Rezei com o regional Nordeste 5 (Maranhão), no grupo de trabalho “batizado” por Rio Jari. Com elementos da cultura maranhense, o grupo seguiu a dinâmica do Ofício Divino das Comunidades. Criou-se,  entre a asembléia, um ambiente propício à oração. No final, houve a partilha de doce de buriti com um coco de babaçu, distribuído num  cestinho feito da palha do  coqueiro do buriti. Foi um momento repleto de profecia e ternura, ou,  como costumamos dizer, de fraternura!
Uma grande novidade neste intereclesial foi a oração inter-religiosa pela paz. Num momento de espiritualidade, de encontro com todos os que habitam a terra, e querem vida, e vida em abundância (João 10.10)  recordou-se o que disse o teólogo Hans Küng.”Não haverá paz no mundo se não existir paz entre as religiões. E, ao Deus de tantos nomes, elevamos nossa oração pela Paz.
 À tarde, entre cantos e breves reflexões, caminhamos pelas ruas da cidade,  na Romaria das Comunidades. Chegamos ao estádio, onde ao redor ao mesa do altar,  celebramos a Eucaristia,  presidida por Moacir Grechi,  Bispo da Arquidiocese de Porto Velho.

“O que os olhos não veem”

Existe também aquilo que os olhos não veem... É o trabalho das equipes ligadas aos momentos celebrativos. A equipe de liturgia, equipe a de animação, de  infra-estrutura (dentre outras), todas merecem uma palavra de gratidão. A equipe de liturgia (tanto local, quanto dos regionais)  ajuda toda assembléia a rezar.  Evidente que, em cada uma delas, muitos aspectos são avaliados. O que não deu certo, o que foi planejado e não aconteceu, etc. Situações estas vividas nos “bastidores”. São aspectos que não tomamos conhecimento, e que os olhos não veem, portanto, o coração não sente...
Sentimo-nos felizes em percber que, a partir dos intereclesiais, um grupo (ou serviço) foi se solidificando e prestando uma assessoria muito eficaz às equipes de liturgia (e aos intereclesiais). É a Rede Celebra!  Ela surgiu como apoio à caminhada das comunidades. É uma rede de pessoas, grupos e comunidades, aberta  ao diálogo ecumênico, comprometida com uma liturgia cristã, fonte de espiritualidade, inculturada na caminhada solidária dos pobres. Já existem muitos grupos da Rede, espalhados em muitos Estados, promovendo a formação litúrgica e assessorando na organização e animação das celebrações. Os intereclesiais estão presentes na motivação de sua criação. Assim recorda a Rede Celebra: depois do 7º Encontro Intereclesial de CEBs, em Duque de Caxias, RJ, se constatava a riqueza e, ao mesmo tempo, a necessidade do aprofundamento, revisão e preparação da liturgia dos intereclesiais e sua continuidade nas bases. Promovemos encontros onde se efetive a troca de experiências e a reflexão de acordo com a metodologia proposta. Damos especial atenção aos encontros de preparação dos intereclesiais de CEBs, nos níveis locais, regionais, nacionais. Registramos e divulgamos práticas litúrgicas significativas, analisadas nos encontros”. Este serviço é feito pela Rede Celebra, com muita simplicidade e singeleza de coração (At 2,46 ). Durante o Intereclesial, a Rede Celebra chegou, em Porto Velho, com muitos dias de antecedência, para prestar este serviço: reunindo a equipe de liturgia e suas lideranças, promovendo momentos de estudo, de espiritualidade... e, durante o encontro, passando em cada “Rio” para encontrar-se com as equipes de liturgia e animação. 

“e conservava todas estas coisas no coração” (Lc 2,51)

Depois de termos partido o pão (Lc 24,13...), naquele estádio que, para nós, era nossa “Emaús”, voltamos à nossa missão – tão diversa, tão repleta de histórias, de luta e resistência... Mas voltamos enxergando melhor, mesmo sendo noite...
Para nós, naqueles dias de encontro (somados aos dias de viagem), e, para o Regional Noroeste, que preparou o encontro, Jesus nos ajudou (e ajuda) a modificar o nosso olhar e a ver melhor a nossa prática. 
De tudo que vimos e ouvimos, “conservamos todas estas coisas no coração” (Lc 2,51) para ser partilhado ao seu verdadeiro destinatário: nossas comunidades!

Com ternura e paixão
Um beijo no Coração!

Edegard Silva Júnior